terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Os dois Jesus

Como não é possível, sob o ponto de vista histórico, negar o nascimento de um certo Jesus, na época do imperador romano César Augusto, de Quirino (governador da Síria) e de Herodes, o Grande (rei dos judeus), e como uma boa quantidade de pessoas não consegue acreditar em sua história conforme o relato dos Evangelhos, não há outra solução senão o dilema dos dois Jesus, o Jesus das Escrituras Sagradas (de Gênesis a Apocalipse) e o Jesus das enciclopédias. Essa situação embaraçosa nos coloca diante de jesuses contrastantes entre si. A identificação dada a eles mostra a substanciosa diferença entre um e outro, como se pode ver a seguir:

Temos o Jesus dos Evangelhos canônicos (Mateus, Marcos, Lucas e João) e o Jesus dos Evangelhos apócrifos; o Jesus eterno (que no princípio estava com Deus) e o Jesus temporal; o Jesus filho de Deus e filho do homem e o Jesus exclusivamente filho de José e Maria; o Jesus morto, sepultado e ressuscitado e o Jesus apenas morto e sepultado; o Jesus cheio (“de graça e de verdade”) e o Jesus vazio (de qualquer vestígio do sobrenatural); o Jesus real (“quem me vê, vê o Pai”) e o Jesus inventado; o Jesus da fé e da razão e o Jesus só da razão; o Jesus imatável (“Ninguém tira a minha vida de mim, mas eu a dou por minha espontânea vontade”) e o Jesus mártir (aquele que é morto por suas crenças ou opiniões); o Jesus de ontem, hoje e amanhã e o Jesus apenas de ontem; o “próprio” Jesus e o “outro” Jesus; o Jesus da teologia e o Jesus da filosofia; o Jesus da erudição ortodoxa e o Jesus da erudição liberal; o Jesus dos cristãos e o Jesus dos reencarnacionistas.

Entre um Jesus e outro há um grande abismo, que tem separado violentamente os seguidores de Cristo dos simpatizantes de Cristo. O filósofo alemão Gotthodd Efrahim Lessing (1729-1781), filho de um pastor luterano, confessa honestamente que entre o Jesus eterno e o Jesus histórico há um “fosso terrível”, que ele não consegue atravessar “por mais freqüente e diligente que tente chegar ao outro lado”.

O mundo sempre esteve e ainda está tremendamente dividido a respeito de Jesus. Do outro lado do “fosso terrível” há muita gente simples e também renomados pensadores e teólogos. Entre os mais conhecidos e respeitados sobreviventes do dilema destaca-se, por exemplo, um homem de 84 anos que já foi capelão da rainha Elizabeth e hoje é reitor da All Souls Church, em Londres, e presidente do London Institute for Contemporany Christianith. Chama-se John R. W. Stott. Em Por Que Sou Cristão, seu mais recente livro, escrito em 2003 e publicado em português logo em seguida, o apreciado Stott, que acaba de comemorar 67 anos de vida cristã, faz preciosas confissões cristocêntricas:

“Não nos envergonhamos de Jesus Cristo, que é o centro e o cerne do cristianismo” (p. 39).

“Jesus colocou-se numa categoria moral em que estava só. Todos os demais estavam na escuridão; ele era a luz. Todos estavam famintos; ele era o pão da vida. Todos estavam sedentos; ele era a água viva. Todos eram pecadores; ele podia perdoar os pecados” (p. 46).

“A morte de Cristo foi uma expiação, uma revelação e uma conquista — uma expiação pelo pecado, uma revelação de Deus e uma conquista sobre o mal” (p. 58).

“Em qualquer compreensão equilibrada da cruz, confessaremos Cristo como Salvador (expiando nossos pecados), como mestre (revelando o caráter de Deus) e como vitorioso (vencendo os poderes do mal)” (p. 67).

À semelhança daqueles mestres da lei do tempo de Jesus que “não entram, nem deixam entrar aqueles que gostariam de fazê-lo” (Mt 23.13), há certos teólogos hoje em dia que são incapazes de atravessar o “fosso terrível” e ainda divulgam suas idéias para dificultar a travessia de outras pessoas. Precisamente há 20 anos foi fundada em Santa Rosa, na Califórnia, Estados Unidos, uma sociedade de teólogos católicos, protestantes, judeus e ateus que se propõe a adotar e divulgar uma teologia anti-sobrenatural através de livros, artigos, conferências e entrevistas. O autor de Jesus: Uma Biografia Revolucionária, John Dominic Crossan, por exemplo, sugere que o corpo do Senhor teria sido enterrado numa vala rasa, desenterrado e comido pelos cães. Para os teólogos dessa sociedade, denominada de Seminário Jesus (Jesus Seminar), Jesus poderia ter sido tudo (um cínico, um reformador social, um feminista, um profeta escatológico), menos Emanuel (Deus conosco), Salvador do Mundo, Rei dos reis. Para eles, 82% do que os Evangelhos canônicos atribuem a Jesus não é autentico. Segundo Robert W. Funk, seu líder principal, o Seminário concluiu que “os contextos narrativos em que as palavras de Deus são preservadas nos Evangelhos são invenção dos evangelistas”.

Esse Jesus esvaziado dos elementos sobrenaturais torna-se igual a qualquer ser humano e perde todo o seu valor. O teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer, que faria 100 anos no início do próximo ano se não tivesse sido enforcado em abril de 1945 no campo de concentração de Bunchenwall, explica que “considerar o Cristo histórico inteiro significa considerá-lo em todas as três fases de sua existência: encarnação, paixão e ressurreição”.

Os espíritas têm um grande apego a Jesus Cristo, ao ponto de se autodenominarem seus amantes, amigos, apóstolos, caminheiros, discípulos, emissários, enviados, irmãos, obreiros, operários, pequeninos, seareiros, seguidores, servidores, servos, tarefeiros e trabalhadores (a julgar pelo nome de 77 centros espíritas brasileiros). Eles conferem a Jesus inúmeros títulos altamente honoríficos, como “o ser mais puro que até hoje se manifestou na Terra”, “o espírito da mais alta hierarquia divina”, “o mais compassivo dos médicos desde o princípio”, “a maior essência espiritual depois de Deus”, “a manifestação mais perfeita de Deus que o mundo conhece”. Eles se dizem “assembléia de Jesus”, “centelha de Jesus”, “rebanho de Jesus” e “seara de Jesus”. Todavia, ao mesmo tempo, afirmam que “Jesus não é nem homem nem Deus”.

O reencarniocionista americano Edgar Cayce (1877-1945), fundador da Associação para Pesquisa e Iluminação (1931), chega a blasfemar quando ensina que “Jesus é o resultado de uma longa cadeia de reencarnações”. A mesma blasfêmia é repetida por José Simões de Paiva Neto, da Legião da Boa Vontade: “Jesus também começou como nós, na estaca zero. Ele não foi criado com uma perfeição sem jaça. Foi feito simples e ignorante como cada um de nós, claro que anteriormente à fundação do planeta Terra. Jesus evoluiu em outro mundo e foi desenvolvendo o seu espírito de encarnação em encarnação, até chegar à unidade com o Pai, a ponto de poder dizer: ‘Eu e o Pai somos um’”.

Todas as religiões reencarcionistas cometem o monstruoso e ingrato crime de negar o doloroso sacrifício expiatório de Jesus, por meio do qual é possível obter pela fé o perdão dos pecados.


Buda de pernas cruzadas e Jesus de braços abertos

Em suas viagens à Ásia, várias vezes John Stott permanecia parado em atitude de respeito diante de uma estátua de Buda. Lá estava o fundador do budismo nascido há mais de 500 anos antes de Cristo, com “as pernas cruzadas, os braços dourados, os olhos fechados, o fantasma de um sorriso nos lábios, sereno e silencioso, com um olhar distante na face, desligado das agonias do mundo”.

Então, em sua imaginação, Stott voltava-se para outra pessoa, para “aquela figura solitária, retorcida, torturada sobre a cruz, com pregos lhe atravessando as mãos e os pés, com as costas dilaceradas, distorcidas, a testa sangrando nos pontos perfurados por espinhos, a boca seca, sedenta ao extremo, mergulhada na escuridão do esquecimento de Deus”.

A visão do Buda de pernas cruzadas e a do Jesus de braços abertos levou Stott a escrever:

“[Jesus] colocou de lado a sua imunidade para sentir a dor. Ele entrou em nosso mundo de carne e sangue, lágrimas e morte. Ele sofreu por nós, morrendo em nosso lugar, a fim de que pudéssemos ser perdoados. Nossos sofrimentos tornaram-se mais suportáveis à luz do Cristo crucificado” (Por Que Sou Cristão, p. 68).

Fonte: Revista Ultimato

Mas vós, quem dizeis que eu sou?

Perspectivas sobre Jesus Cristo no decorrer da história

Por Alderi Souza de Matos

Os Evangelhos informam que desde o ministério terreno de Jesus houve dúvidas quanto à sua verdadeira identidade. No texto da confissão de Pedro, em resposta à pergunta de Jesus sobre quem o povo dizia ser ele, os discípulos responderam: João Batista, Elias, Jeremias ou “algum dos profetas” (Mt 16.14). Quando Jesus indagou a opinião dos seus próprios seguidores, Pedro deu a resposta correta (“Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”). Mas uma leitura mais ampla dos sinóticos mostra que os apóstolos ainda assim tinham muitas perplexidades acerca da verdadeira natureza do seu mestre. Fora do círculo mais estreito em torno de Jesus, as dúvidas podiam se tornar especialmente intensas. João Batista, o primo e precursor de Jesus, fez a dolorosa pergunta: “És tu aquele que estava para vir ou havemos de esperar outro?” (Mt 11.3). Ao longo dos Evangelhos, ressoa a exclamação das multidões e dos líderes religiosos judeus: “Quem é este...?” (Mt 8.27; Lc 5.21; 7.49; Jo 1.19; 8.25).

A principal razão dessas dúvidas era a própria complexidade da pessoa de Jesus, em muitos aspectos tão intensamente humano, porém ao mesmo tempo marcado por características, atributos e feitos singulares, extraordinários. Os seus títulos, demonstrações de autoridade e afirmações ousadas sobre si mesmo deixavam os seus interlocutores aturdidos, admirados ou simplesmente chocados e irados. Adicionalmente, havia um elemento de mistério em torno daquela pessoa, de segredo acerca da sua verdadeira identidade, tema esse que é destacado nos Evangelhos. O chamado “segredo messiânico” reforça a idéia de que Jesus ao mesmo tempo se oculta e se revela. Somente aqueles que crêem, que se identificam com ele, podem conhecer realmente quem ele é. Após a ressurreição, os discípulos se tornam mais seguros a respeito de Jesus (Jo 21.12), o que não impede que, com o passar do tempo, surjam novos questionamentos.


O humano e o divino

A resposta de Pedro, conhecida como a “Grande Confissão”, foi muito importante, mas não respondeu todas as dúvidas. O que realmente significava dizer que Jesus era o “Cristo” (Messias) e o “Filho de Deus”? Quais as implicações mais profundas dessas afirmações? Essas questões ocuparam a mente dos cristãos por vários séculos e as tentativas de solução giraram em torno de dois pólos: a humanidade e a divindade de Jesus. Num primeiro momento, a preocupação em resguardar o monoteísmo fez com que muitos cristãos tivessem reservas quanto à divindade de Cristo. Nunca se pôs em dúvida a importância, a dignidade e a singularidade de Jesus; afinal, desde o início os cristãos sabiam ter uma relação especial com ele, tinham sido batizados em seu nome e o confessavam como Senhor. Todavia, muitos sentiam que aceitar a sua divindade implicava dissolver a unidade de Deus, ou seja, admitir a existência de dois deuses, o Pai e o Filho.

Essa preocupação em preservar o monoteísmo em prejuízo do reconhecimento do caráter divino de Cristo ficou conhecida na história como “monarquianismo”. Este, por sua vez, dividiu-se em duas correntes principais: o monarquianismo dinâmico ou adocianismo dizia que Jesus foi um ser humano que Deus adotou como filho por ocasião do seu batismo, quando ele foi revestido do poder (“dynamis”) do Espírito Santo. Os ebionitas, isto é, os cristãos hebreus, que pouco antes da destruição de Jerusalém se transferiram para o outro lado do rio Jordão, foram adocianistas. Já o monarquianismo modalista entendia que Pai, Filho e Espírito Santo eram manifestações sucessivas, e não simultâneas, de Deus. Essa corrente não fazia distinções no Ser Divino, chegando alguns a ponto de dizer que o Pai sofreu e morreu na cruz, posição essa conhecida como patripassianismo.

Simultaneamente ao monarquianismo, e mesmo antes dele, surgiu uma espécie muito diferente de questionamento, motivada por pressupostos bastante distintos. Influenciados pela cultura e filosofia grega, os gnósticos afirmavam a maldade inerente da matéria e, por conseguinte, não podiam admitir o conceito de encarnação. Sua tendência era dar ênfase ao caráter divino do Verbo (Logos), em detrimento da sua humanidade. Aquele Jesus com o qual os discípulos se relacionaram tinha apenas uma aparência de humanidade, era como que um fantasma, um ser etéreo que viveu entre eles. Daí terem ficado conhecidos como docetistas (do verbo grego dokéo = “parecer”). Essa posição já é claramente combatida nas epístolas joaninas do Novo Testamento (1 Jo 4.2,3; 2 Jo 7), e um grande número de textos afirma de modo enfático um entendimento literal da encarnação (Jo 1.14; Rm 1.3; Cl 1.22; 1 Tm 3.16; Hb 5.7; 1 Pe 4.1).


A era dos credos

Com o passar do tempo, à medida que o debate se ampliava e aprofundava, surgiram posições mais sofisticadas acerca do assunto. A mais famosa e controvertida foi o arianismo, proposta no início do quarto século pelo presbítero Ário, de Alexandria, no Egito. Essa concepção interpretava de modo muito literal a linguagem bíblica sobre Pai e Filho e sobre o conceito de geração. Ário afirmava que o Pai gerou o Filho, que só então passou a existir, e por meio deste fez o restante da criação. Portanto, Cristo era um ser muito exaltado, mas não divino. Outras posições resultaram das ênfases de duas escolas de interpretação bíblica, a de Alexandria e a de Antioquia, a primeira insistindo na união das duas naturezas e a segunda, em sua separação. Segundo o bispo Apolinário, o Cristo encarnado consistia de um corpo humano dotado de uma razão divina, o Logos. Outro bispo mais famoso, Nestório, insistiu que Jesus Cristo consistia na “união moral” de duas pessoas como em um matrimônio. Finalmente, o monge Eutiques, indo na direção oposta, defendeu a virtual fusão das duas naturezas, resultando em uma só, a divina. Essa posição também ficou conhecida como monofisismo.

Diante de um cenário tão confuso, a igreja sentiu a necessidade de posicionar-se a respeito dessa questão crucial que envolvia o correto entendimento do centro de sua fé: a pessoa de Jesus Cristo. Quatro grandes concílios ecumênicos realizados na Ásia Menor nos séculos quarto e quinto trataram dessa questão (Nicéia, Constantinopla, Éfeso e Calcedônia). A Definição de Calcedônia, do ano 451, resolveu a controvérsia de maneira magistral ao declarar não só a perfeita divindade e a perfeita humanidade de Cristo, mas o fato de que as duas naturezas, ao mesmo tempo distintas e inseparáveis, formam uma só pessoa e subsistência (“união hipostática”). Entendeu-se que essa concepção era não só coerente com o testemunho das Escrituras, mas necessária em virtude de suas implicações soteriológicas. Desde então, esse entendimento tem sido adotado pela maior parte da cristandade.


Novas teorias, antigas idéias

Ao longo dos séculos, têm surgido as mais diversas interpretações acerca de Cristo, que geralmente não passam de reedições, com outros nomes, das antigas posições consideradas heterodoxas. De um modo geral, essas posições tendem a minimizar ou simplesmente negar a divindade de Cristo, dando grande ênfase à sua humanidade. Foi o que aconteceu, na época da Reforma, com o espanhol Miguel Serveto e os italianos Lélio e Fausto Socino, que ensinaram formas particulares de adocianismo. Mais tarde, as modernas Testemunhas de Jeová iriam abraçar uma posição muito semelhante à do antigo arianismo.

Os principais reformadores protestantes, Lutero e Calvino, diferiram parcialmente nas suas concepções acerca da natureza humana de Cristo. O primeiro insistiu que, por causa da encarnação, a humanidade de Cristo, inclusive o seu corpo glorificado, recebeu o atributo da ubiqüidade, estando em todos os lugares ao mesmo tempo. Já os calvinistas argumentaram que, mesmo agora, após a sua ressurreição e ascensão, o homem Jesus está corporalmente localizado no céu. Isso levou as duas tradições a terem compreensões bastante diferentes da presença de Cristo no sacramento da Ceia. No entanto, por um bom tempo, os protestantes, acompanhando os católicos romanos e os ortodoxos gregos, mantiveram unanimemente a antiga cristologia de Calcedônia.

A partir do iluminismo, com a sua crítica à visão sobrenaturalista da religião, voltaram a ser abraçadas as antigas concepções acerca de Cristo que insistiam na sua humanidade, negando a sua transcendência. O deísmo do século 18 e a teologia liberal protestante do século 19 conceberam Jesus em termos exclusivamente humanos, ainda que dotado de notáveis atributos morais e espirituais. Teólogos influentes, como os alemães Schleiermacher e Ritschl, propuseram formas elaboradas de adocianismo. Finalmente, no século 20, ganhou força a célebre “busca do Jesus histórico”, que procurou fazer uma distinção radical entre o Jesus concreto de carne e osso que viveu na Palestina e o Cristo da fé imaginado e idealizado pela igreja primitiva. Uma concepção especialmente revolucionária foi proposta por Rudolf Bultmann, um exegeta e teólogo alemão que pretendeu desmitologizar ou desmitificar o Jesus dos Evangelhos, desvestindo-o de sua roupagem miraculosa e interpretando a sua pessoa e missão em termos do pensamento existencialista.


Perspectivas de Cristo

Ao lado das perenes controvérsias em torno da humanidade e divindade do Redentor, diferentes épocas e diferentes movimentos da história da igreja têm tido as suas percepções particulares acerca de Cristo. Para os primeiros cristãos ele era o Senhor, por amor de quem eles enfrentaram a ira do Império Romano e o martírio. Nas primeiras manifestações da arte cristã, ele é a figura benevolente do Bom Pastor, também representado pelo peixe, a pomba ou o cordeiro. Na igreja imperial da era constantiniana, ele passa a ser visto como o Cristo exaltado e todo-poderoso, o pantokrátor (“governante de tudo”). Mais tarde, na segunda metade da Idade Média, dá-se ênfase ao Cristo sofredor, o “varão de dores” dos místicos e visionários.

Ao longo do tempo, os cristãos têm encontrado dificuldade em manter um equilíbrio saudável entre as dimensões sobrenatural e humana de Cristo. Na espiritualidade do tipo pietista, marcada pelo individualismo e pelo misticismo, predomina uma concepção docética de Cristo. A sua humanidade fica obscurecida, dando-se toda a ênfase ao Senhor poderoso e transcendente, operador de maravilhas e solucionador de problemas, que está prestes a voltar em glória para arrebatar a sua igreja. Por outro lado, existe o Cristo predominantemente humano do liberalismo, tanto católico quanto protestante. Um bom exemplo foi o “evangelho social” do início do século 20, inspirador de um ativismo cristão ilustrado pelo livro "Em Seus Passos que Faria Jesus?". Essa também foi uma ênfase da “teologia da libertação” latino-americana da segunda metade do século 20, que viu na figura de Jesus de Nazaré um modelo a ser seguido na luta contra a injustiça e a opressão.

Essas duas perspectivas padecem de limitações. A primeira, de tendência docética, pode levar, e com freqüência leva, a uma atitude de alienação e escapismo em relação aos problemas do mundo e da sociedade. É característica de boa parcela do evangelicalismo conservador e entusiástico. A outra perspectiva é igualmente reducionista, limitando a aplicação dos ricos conceitos bíblicos de libertação e reconciliação ao plano social e político. O reino de Deus passa a ser visto exclusivamente em termos terrenos, de transformação das estruturas mediante a ação humana, e Cristo torna-se um mero símbolo e um exemplo a ser seguido nesse esforço. O ideal é que os cristãos, em sua reflexão e em sua práxis, recuperem a visão bíblica holística de Jesus Cristo, como aquele cuja obra libertadora e reconciliadora abrange todas as dimensões da existência.

Alderi Souza de Matos é doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil.

Protestantes: autênticos católicos

Por Robinson Cavalcanti

Jesus Cristo criou uma só Igreja, Povo da Nova Aliança, não para ser uma unidade “invisível”, metafísica, neoplatônica, mas sim visível, na História, institucional. As igrejas orientais são anteriores à Igreja de Roma e nunca foram subordinadas a ela por jurisdição, muito menos por autoridade monárquica. A igreja assíria do Leste (nestorianos), tendo como epicentro a Pérsia, chegou à Índia e à China, quase dizimada pelos mongóis e pelo Islã. As igrejas pré-calcedônicas — Egito, Etiópia, Síria, Armênia e Índia — também, nunca foram vinculadas a Roma. As igrejas bizantinas, a partir da sede do Império Romano do Oriente, apenas reconheceram no bispo de Roma (que não era o papa tal como conheceremos posteriormente) um mero “primado de honra”, por estar na capital do Império do Ocidente.

Um bom exercício de honestidade intelectual é ler a história da Igreja a partir dos autores dos três ramos da Igreja no Oriente: todos eles dirão que foi Roma que se separou dos patriarcados orientais, com a sua pretensão de uma autoridade monárquica com jurisdição universal. A ambição desta de ser “a” Igreja não se sustenta nem bíblica nem historicamente, e terá (por um milagre) de ser abandonada se quisermos um dia ter “um só rebanho e um só pastor”. Deverão ser superados, também, o nacionalismo e o tradicionalismo que engessam as igrejas do Oriente, impedindo sua atualização e engajamento na grande comissão.

Os cristãos não podem nem minimizar o valor dos pontos convergentes da Reforma Protestante do século 16, nem começar a história da Igreja com a Reforma. O Espírito Santo esteve presente nos vinte séculos de nossa história, apesar dos erros, superstições e desvios que tenham surgido pela carne dos homens. O núcleo consensual reformado deve ser uma ferramenta hermenêutica privilegiada para discernir o que manter e o que reformar no que se pensou e se fez, antes e depois da Reforma. Depois dela a Igreja de Roma oficializou novos dogmas, e, juntamente com os bizantinos, canonizaram novos “santos”. Trocou-se o livre exame pela livre interpretação e a Igreja deu lugar a seitas e “denominações”. O liberalismo mandou para o espaço as escrituras, a tradição, os credos, as doutrinas e a moral, sacrificados no altar da razão e na arrogância humana, hoje subjetiva, individualista e relativista. “Revelações” particulares e “profetas” auto-proclamados esquartejaram o Corpo de Cristo. Depois da Reforma sofremos o banho de sangue das Inquisições e a intolerância legalista, moralista, sectária, antiintelectual (e, às vezes, racista) do neofundamentalismo. Surgiram as seitas para-cristãs dos Mórmons, das Testemunhas de Jeová e da Ciência Cristã, bem como o neo/pós/iso/pseudo-pentecostalismo, cuja pretensa identidade protestante é uma contradição em si mesma.

A primeira reforma (anglicanos e luteranos), assim como a posterior reforma siriana da Igreja Mar Thoma, na Índia, nunca aceitou a anti-história de uma “apostasia geral”. Nunca pretendeu uma ruptura total com o passado para criar ou re-fundar uma nova Igreja, mas, como o próprio nome diz, reformar a Igreja de Cristo, única, santa, católica e apostólica, até então presente em quatro jurisdições. Os corpos não reformados não quiseram se reformar, ou apenas se contra-reformar. Os protestantes não romperam, foram expulsos. Hoje, entre o neo-integrismo reacionário dos corpos não-reformados e o cipoal fragmentado dos corpos deformados — incapazes de dar uma resposta ao Estado e à ideologia secularista —, almas sedentas clamam por uma Igreja de dois mil anos. Igreja dos Pais da Igreja e dos Pais Apostólicos; Igreja dos Reformadores, com uma rica herança histórica, espiritual, doutrinária e litúrgica. Com ética e com estética; com vitalidade e com santidade; com dinamismo e com profundidade. Com o sacerdócio universal dos crentes e com o sacerdote especial dos vocacionados e ordenados: diáconos, presbíteros e bispos (sucessores dos apóstolos). O futuro depende de um presente que retome o passado.

Da Pré-Reforma herdamos o fechamento do cânon bíblico, o estabelecimento do núcleo doutrinário contido nos Credos Apostólico e Niceno e o estabelecimento de uma forma de governo para a Igreja: o episcopado (“...ao largo dos tempos, vai-se continuando a sucessão dos bispos e a administração da Igreja, de sorte que a Igreja sempre esteve estabelecida sobre os bispos, e todo ato da Igreja era dirigida por estes propósitos”, Cipriano de Cartago, De Unitate, 23.4). Da Reforma, a ênfase na autoridade das Sagradas Escrituras como fonte de revelação e a salvação pela graça mediante a fé. Da Pós-Reforma herdamos a riqueza sistematizada das confissões de fé, o compromisso puritano, a espiritualidade pietista, a paixão avivalista e o ardor missionário, o novo nascimento. Protestantes anticatólicos? Não, católicos reformados, verdadeiros católicos!

• Dom Robinson Cavalcanti é bispo anglicano da Diocese do Recife.

A Bíblia como fonte Historiográfica

RESUMO

A Bíblia sagrada dos Cristãos não advoga para si a definição de “Documento Histórico”, este conceito não era peculiar aos seus autores. Não se encontra em seus escritos apenas uma tentativa de fidelidade histórica, ainda que isto lhe seja inerente, mas é possível descobrir que seu interesse é religioso, ou seja, concepções religiosas permeiam a narrativa bíblica. Não se pode desprezar, porém, que isto se dá em um momento histórico definido, portanto, fé e história se entrelaçam, criando assim um ambiente riquíssimo para o historiador moderno.


1 INTRODUÇÃO

Devo, com plena convicção, destacar, ao introduzir este trabalho, que a Bíblia não defende para si o pressuposto de “Documento Histórico”. A bíblia é um conjunto de vários livros de caráter religioso, escritos em vários momentos da história de Israel, dos Judeus e dos seguidores de Jesus de Nazaré.

É evidente que as experiências religiosas destes grupos se contextualizam num momento histórico específico, de maneira que a experiência religiosa se entrelaça com a história, em perfeita harmonia.

Este texto defende o conceito de que a Bíblia é, sem sombra de dúvida, uma fonte historiográfica, principalmente quando o labor histórico se dispõe a dialogar com as demais disciplinas das ciências humanas, construindo pontes de acesso à cosmo visão Bíblica.

Portanto, partindo das novas pesquisas, em especial, dos pressupostos da “Nova História”, entendemos que a Bíblia é uma importante fonte historiográfica, e sua contribuição é incalculável para o projeto histórico crítico.
Meu objetivo não é defender a credibilidade dos acontecimentos relatados no livro “Sagrado dos Cristãos”, mesmo acreditando ser possível, meu intuito é tão somente definir o que é a Bíblia e, tentar desmistificar algumas questões referentes ao seu texto.

Mesmo entendendo que estou condicionado pelas minhas convicções religiosa e acadêmica, entendo ser possível me lançar neste projeto com seriedade e independência, características necessárias para uma boa pesquisa.


2 O FALSO PRESSUPOSTO DE QUE A BÍBLIA É UM “DOCUMENTO HISTÓRICO”

É importante destacar que não houve, no período compreendido como “pré-moderno”, um questionamento sobre a historicidade do conteúdo da Bíblia, era fato inquestionável a veracidade de toda afirmação Bíblica, sendo que alguns posicionamentos contrários eram tidos como gravíssimo sacrilégio.

O debate sobre a credibilidade histórica da Bíblia surge em período posterior, com o advento do pressuposto “cientificista do iluminismo”, que inaugura a “era moderna” no limiar do século XVIII.

A partir deste período a Bíblia passa a ser investigada como “objeto histórico”, fato impulsionado pela pretensão de se encontrar o “Jesus Histórico”, ou seja, o homem Jesus de Nazaré, livre do condicionamento da fé dos primeiros cristãos.

A tirania “histórico-positivista” desqualificou completamente a Bíblia de sua importância histórica, atitude que distanciou completamente a historiografia do texto “Sagrado dos Cristãos”.

Até hoje a relação dos historiadores com a Bíblia não é amistosa, sendo que nos últimos anos esta imagem negativa vem melhorando, devido aos achados arqueológicos, que apontam para a fidelidade do relato Bíblico e também a atitude maleável dos teóricos da “Nova História”.

A afirmação de que a Bíblia não é um “Documento Histórico” poderá abalar as convicções dos Cristãos mal informados, mas não encontramos uma única informação no texto Bíblico que defenda este conceito de “Documento Histórico”, mesmo porque o conceito de “História” é uma pretensão do homem moderno e não fazia parte do universo conceptual dos escritores Bíblicos.
O professor de Teologia Bíblica Rochus Zuurmond (1998, p.118) da Faculdade Livre de Amsterdam, Holanda, nos traz uma importante contribuição sobre esta questão:

Por isso convém frisar outra vez que: a) os livros bíblicos, inclusive os evangelhos, não pretendem ser historiografia, já pelo fato de que a própria noção de “histórico” , como a usamos de alguns séculos para cá, era desconhecida; b) pensava-se de maneira “a - histórica” e, além disso, os evangelistas tinham por objetivo algo muito diferente de escrever história; queriam anunciar o fato, de importância mundial, de que Jesus estava vivo, com todas as conseqüências de tal fato; c) a história foi colocada a serviço do anúncio, e por isso não podia ser narrado em forma de “historiografia”, no sentido pretensioso que damos a esse termo.


Portanto, se trata de grave equívoco enquadrar a Bíblia em um conceito do mundo “moderno”, é evidente que os escritores Bíblicos tinham plena consciência de que estavam escrevendo algo verdadeiro e não tinham interesse que seus escritos impactassem a posteridade, são textos de ocasião, para fomentar a fé em Deus.

Quando o Apóstolo Paulo escreve suas epístolas não tem a menor intenção de que seus escritos se tornem textos sagrados dos seguidores de Cristo, suas cartas surgem de um difícil relacionamento teológico-pastoral com as comunidades fundadas por ele em suas viagens missionárias, portanto são literaturas de ocasião, e deve ser compreendida como tal.

Outros exemplos importantes podem ser constatados nos evangelhos, fontes que relatam as ações e os ensinamentos de Jesus na Palestina, estes escritos que partem de uma concepção religiosa sobre Jesus, não deixaram de destacar o aspecto histórico, pois se dedicaram em escrever sobre um personagem que nasceu, viveu e morreu, portanto um sujeito “Histórico”.

Qual o sentido da morte de Jesus para seus seguidores? Apenas evento histórico? Evidentemente que não, o acontecimento inaugura uma experiência religiosa: Cristo morreu pelos nossos pecados!

São alguns exemplos que mostram que o conceito de historicidade não era familiar aos autores dos livros Bíblicos, não se pode amordaçar o texto “Sagrado dos Cristãos” com concepções que lhes eram estranhas.

Portanto é falso o pressuposto que determina ser a Bíblia um “Documento Histórico”, não é este o seu objetivo, seu intento é fomentar a fé em um “Deus vivo”, cujo propósito é se revelar a toda criação, por intermédio de seu filho “Jesus Cristo”.

3 O FALSO PRESSUPOSTO DE QUE A BIBLIA NÃO É UMA “FONTE HISTÓRICA”

Acredito que em minha primeira abordagem ficou aparentemente claro que a Bíblia não é, e nem tampouco advoga ser, um “Documento Histórico”, pelo menos no enquadramento da “concepção moderna” que define as condições de tal pressuposto.

A atitude agressiva dos primeiros “historiadores iluministas” não se justificava, pois o texto “Sagrado dos Cristãos” jamais intentou ser um “Documento Histórico”, algo que tratei no capítulo anterior.

Esta falsa perspectiva distanciou os historiadores da Bíblia, negando com veemência sua importância como fonte historiográfica, é claro que esta postura deve ser entendida como um condicionamento de uma época que tentava se libertar da influência religiosa sobre o pensamento Ocidental.

Sobre o conceito que dominou a mentalidade dos historiadores do século XIX, recorro ao especialista em História, René Latourelle, que contribui da seguinte forma (1989, p.103):

A concepção da história que dominou no século XIX e que durante muito tempo inspirou os julgamentos sobre o valor histórico dos Evangelhos é a do positivismo representado por Ludwig von Ranke (1795-1886) e Theodor Monnsen (1817-1903). Ora, segundo os cânones do positivismo que aspira a dar do passado uma imagem exata e completa, a partir de fontes “historicamente puras”, esse julgamento de valor não pode deixar de ser desfavorável aos Evangelhos, estes lhes parecendo evidentemente como fontes “contaminadas” pela perspectiva da fé e pela interpretação teológica.


Esta concepção dominou por muito tempo a ciência histórica, numa atitude preconceituosa contra o texto Bíblico, evidentemente que esta visão não goza de muito prestigio na atualidade, devido à ingenuidade de seus postulados.

Segundo Latourelle (id, p.103), “Temos de reconhecer que semelhante ideal é não apenas inacessível, mas também contrário à realidade. Os fatos são sempre acompanhados por uma interpretação individual ou coletiva, sem a qual, aliás, ficariam ininteligíveis”.

É claro que esta postura antagônica inflamou reações imediatas entre os defensores da Bíblia que, tomados por um zelo religioso, empreenderam uma busca ferrenha, com o intuito de provarem de todas as maneiras a veracidade e fidelidade histórica do texto “Sagrado”, abrindo assim um abismo profundo entre as duas partes.
Juan Arias descreve este momento da seguinte forma (2001, p.23): “Por isso a Igreja se pôs a vasculhar desesperadamente nos documentos históricos da época, tanto judeus como romanos, em busca de alguma pista sobre a existência real da pessoa de Jesus”.

Estes dois pólos de tensão ficaram para trás, sendo possível hoje reabilitar o texto Bíblico como importante ferramenta de investigação historiográfica, resgatando sua credibilidade como fonte indispensável para entender a formação do mundo Ocidental.

Sobre o conceito moderno de história, Arias escreve (id, p.30):

Quanto ao conceito de história, que é, sem dúvida, muito mais preciso e rigoroso que o da Antigüidade, acredita-se que cada momento histórico possui o seu e que cada época tem uma forma de transmitir os fatos. E que não podemos julgar com critérios modernos o método usado pelos historiadores de 2.000 anos atrás.

Através da Bíblia é possível entender, com todas as dificuldades impostas, quem foi Jesus de Nazaré e de que maneira seus seguidores o interpretaram, dando origem ao maior empreendimento religioso da história, o Cristianismo.

É possível também conhecer e entender a história do povo Hebreu, principalmente quando entendemos sua influência sobre o Cristianismo, com seus valores, costumes, sua fé monoteísta, suas leis, sua estrutura socioeconômico.

Enfim, pode-se concluir que com as recentes reflexões sobre a natureza da história, sua ambição e seus limites possibilitam resgatar a importância do universo Bíblico como via de acesso para entender o mundo Ocidental.

Com muita propriedade Latourelle escreve sobre a difícil tarefa do historiador (id, p.107), “A arte do historiador consiste em captar essas harmonias que se propagam através dos séculos. É também por isso que é possível reescrever sem cessar a história, em razão da mudança do horizonte”.

Pode-se dizer, diante do enunciado, que o labor histórico deve perceber as subjetividades implícitas no fluxo da história, e o texto Bíblico é bastante amplo em experiências religiosas, fruto do universo particular de cada época.

4 CONCLUSÃO

Concluo este trabalho citando, com base no Evangelho segundo escreveu Lucas 1: 1-4, as três etapas que antecedem a origem dos evangelhos: A tradição oral, a tradição escrita e por fim o empreendimento teológico redacional.

Com base no que foi desenvolvido neste trabalho, gostaria de reafirmar que a Bíblia não é em hipótese alguma um “Documento Histórico”, ainda que este conceito traga inquietação e perturbação, muito pelo contrário, não se pode domesticar o “texto sagrado” a um mero conceito, a Bíblia vai além de conceitos e formulações.

Devo salientar, porém que a Bíblia é uma fonte historiográfica riquíssima, não podendo ser desprezada pela erudição moderna, corre-se o risco de atitude preconceituosa e leviana, tendo em vista o seu valor na elaboração do mundo Ocidental contemporâneo.


5 REFERÊNCIAS

ARIAS, Juan. Jesus, esse grande desconhecido. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
LATOURELLE, René. Jesus existiu? : história e hermenêutica. Aparecida: Santuário, 1989.
ZUURMOND, Rochus. Procurais o Jesus histórico? São Paulo: Loyola, 1998.


Fonte: Blog "pentecostalidade.blogspot.com"