quarta-feira, 12 de março de 2014

A Guerra Ideológica contra o Cristianismo

Por Silas Daniel

Todo mal tem um início. Não é diferente com as idéias que permeiam atualmente a sociedade ocidental. Que o diga Russell Kirk. Russell Amos Kirk (1918-1994) foi um notório cientista político norte-americano e crítico social, conhecido pelo seu conservadorismo. Em 1953, ele lançou um livro que se tornou clássico rapidamente nos Estados Unidos, sendo considerado hoje a melhor obra para entender a formação e o desenvolvimento do conservadorismo na tradição anglo-americana. Por tabela, a obra apresenta também as raízes e o desenvolvimento do pensamento liberal no Ocidente. Estamos falando de The Conservative Mind: from Burke to Eliot (O Conservadorismo: de Burke a Eliot).

Nesse livro, o crítico americano afirma que a onda liberal que hoje vemos no mundo (com a pregação a favor do aborto, da liberação das drogas e da promiscuidade sexual) nasceu no período histórico denominado “Idade da Razão”, especialmente no século 18. Kirk diz ainda que um dos primeiros a denunciar eloqüentemente os efeitos nefastos do liberalismo em sua gênese foi Edmund Burke (1729-1797), pensador e político britânico.

Segundo Kirk, antevendo o futuro, Burke criticou em sua época três escolas que chamou de “radicais” e que estavam tornando-se bastante populares em seus dias: (a) o racionalismo dos filósofos; (b) o nascente utilitarismo do filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham; e (c) o sentimentalismo romântico do filósofo francês Rousseau. Esse último Burke chegou a chamar de “o Sócrates louco”.

O detalhe é que, em sua análise, o político britânico identificou alguns pontos que caracterizaram a onda liberal daquela época, dando-lhe base. Entre eles estão:

1) A crença de que, se Deus existe, “difere radicalmente em sua natureza da idéia do Deus cristão; ele seria ou o ser remoto e impassível dos deístas ou o brumoso e recém-criado Deus de Rousseau”;
2) A idéia de que o homem, diferentemente do que a Bíblia diz, não é tendente ao pecado, mas é naturalmente bom, generoso e benevolente, sendo corrompido pelas instituições;
3) A convicção de que as tradições da humanidade e o ensino bíblico são mitos, confusos e ilusórios, e nos ensinam muito pouco;
4) A fé no ser humano, como sendo capaz de aprimorar-se sozinho e trazer a paz e a ordem ao mundo sem precisar de alguma ajuda divina;
5) O pensamento de que devemos buscar a “libertação das velhas crenças, dos tabus, dos juramentos e das velhas instituições”, e regozijarmo-nos com “a pura liberdade e a auto-satisfação”.

Como vemos, foi ali, no século 18, que a atual onda liberal teve seu início.
Foi Jean Jacques Rousseau quem “decretou” a morte do pecado, ao pregar a teoria da plena bondade natural do ser humano. Depois dele, veio Augusto Comte, com o seu positivismo, afirmando que a religião é o estado primitivo da sociedade. O iluminismo proclamou que a religião não era mais relevante. Assim, chegamos ao ponto onde estamos hoje.

Esses cinco pontos esposados por Edmund Burke explicam, por exemplo, o porquê de a sociedade de hoje viver em um nível moral muito baixo. Já dizia Russell Kirk, em sua obra supracitada, que “problemas políticos e sociais são, no fundo, problemas religiosos e morais”. E ele não está errado. As questões sociais são, lá no fundo, uma questão de moral pessoal. Não é necessário um grande exercício mental para perceber isso.

A sociedade está moralmente à deriva

Imagine uma sociedade onde as pessoas são governadas pela crença em uma ordem moral duradoura, por um forte sentido de certo e errado, por convicções pessoais sobre a justiça e a honra. Com certeza será uma sociedade sadia, que fugirá tanto do extremo da tirania quanto do seu oposto, a anarquia. Agora, imagine uma outra sociedade, onde as pessoas vivem moralmente sem rumo, ignorando o certo e o errado. Seria uma sociedade onde cada um estaria voltado para sua gratificação pessoal, atrás da satisfação de seus próprios apetites. Sem dúvida, seria uma sociedade doentia, tanto na sua versão mais radical (o anarquismo) quanto na sua versão mais leve, como está tentando ser implementado hoje em todo o Ocidente.

Sobre isso, escreve Kirk:
“O conservador se esforça por limitar e balancear o poder político para que não surjam nem a anarquia, nem a tirania. No entanto, em todas as épocas, homens e mulheres foram tentados a derrubar os limites colocados sobre o poder, a favor de um capricho temporário. É uma característica do radical que ele pense o poder como uma força para o bem – desde que o poder caia em suas mãos. Em nome da liberdade, os revolucionários franceses e russos aboliram os limites tradicionais ao poder, mas o poder não pode ser abolido e ele sempre acha um jeito de terminar nas mãos de alguém.”
“O poder que os revolucionários pensavam ser opressor nas mãos do antigo regime tornou-se muitas vezes mais tirânico nas mãos dos novos mestres do Estado.”
“Sabendo que a natureza humana é uma mistura do bem e do mal, o conservador não coloca sua confiança na mera benevolência. Restrições constitucionais, freios e contrapesos políticos (checks and balances), correta coerção das leis, a rede tradicional e intricada de contenções sobre a vontade e o apetite – tudo isto o conservador aprova como instrumento de liberdade e de ordem. Um governo justo mantém uma tensão saudável entre as reivindicações da autoridade e as reivindicações da liberdade.”

À medida que o tempo passa, os valores morais vão perdendo seu significado e força, o que resulta em uma sociedade cada vez mais neurótica, hedonista, egoísta e violenta. Não é à toa que é bastante comum vermos os pensadores pós-modernos identificando a sociedade em que vivemos como inundada de patologias, crises e profundos vazios existenciais.

Um sintoma da crise em que vive o mundo é a atual produção artística no planeta. Sabemos que a produção artística de uma época diz muito sobre os problemas, angústias, medos, conquistas, sonhos e aspirações de uma geração. Ora, os livros de ficção, filmes, peças teatrais e pinturas de hoje estão repletos de personagens psicóticos ou figuras que não trazem substancialmente nada, só o vazio. Isso é porque a alma humana no século 21 encontra-se assim.

Outro dia um articulista carioca escreveu, em sua coluna em um dos jornais mais influentes do país, sobre sua profunda infelicidade existencial, chegando a afirmar que tinha inveja da lagartixa, que não aspira nada, a não ser a satisfação de seus instintos naturais. E não foram poucos os que se identificaram com ele!

Os perigos de uma sociedade assim é que, por não ter firmeza moral e sentido na existência, está aberta a qualquer bizarria. O único conceito que consegue-se assimilar é o que diz: “Não se pode reprimir direitos”. Mas onde estão os deveres? Apesar de ainda existirem alguns deveres reconhecidos, até mesmo estes, vez por outra, são questionados por celebrizadas “mentes privilegiadas” de nossos dias. Isso porque, via de regra, o que prevalece no inconsciente coletivo da sociedade de hoje é a idéia de que o dever é visto como mal, “castrador”, destruidor, camisa-de-força. Por isso, os projetos de lei de hoje, em sua maioria, não buscam impor limites; pelo contrário, os retiram.

O cristão genuíno, porém, não sofre essas crises, pois tem a Palavra de Deus, que é sua regra de fé e prática. Seu comportamento e pensamentos são pautados por ela, o que, em vez de inibir sua vocação e suas habilidades, as desenvolvem. Ele percebe limites e, por isso, compreende a existência como um todo e, em particular, a sua missão na vida. Isso porque sem limites é impossível andar com segurança ou mesmo entender a existência. Limites são uma necessidade da própria existência. Eles foram criados pelo próprio Deus para o melhor aproveitamento da vida. Desrespeitá-los é ser infeliz ou infelicitar o próximo.

A sociedade de hoje precisa de valores. Isso significa não só limites, mas também sentido, caminho. Em outras palavras, o mundo necessita da Palavra de Deus. O mundo precisa de Cristo.

Os terríveis efeitos do liberalismo


Thomas Sowell, doutor em Economia pela Universidade de Chicago, publicou recentemente um artigo mostrando que a teoria de que a revolução liberal dos anos 60 trouxe benefícios para a sociedade é uma grande mentira. Ele cita dados em seu próprio país, os Estados Unidos, que provam a falácia de tal argumentação. Escreve Sowell:

“Os esquerdistas podem pensar que os anos 1960 foram o começo de muitas tendências ‘progressistas’ na sociedade norte-americana, mas os frios e duros fatos contam uma história muito diferente. Os anos 60 marcam o fim de muitas tendências benéficas que aconteciam há anos e uma reversão completa dessas tendências quando programas, políticas e ideologias dos esquerdistas foram implantados”.
“A gravidez de adolescentes estava caindo há anos. O que também acontecia com as doenças venéreas. A taxa de infecção por sífilis em 1960 era metade do que tinha sido em 1950. Havia tendências similares em relação a crimes. O número total de assassinatos nos EUA em 1960 era menor que em 1950, 1940 ou 1930 – apesar da população estar crescendo e dois novos Estados terem sido adicionados. A taxa de assassinatos, em relação à população, em 1960, era metade do que era em 1934”.
“Cada uma dessas tendências benéficas reverteu-se agudamente depois que noções esquerdistas ganharam iminência nos anos 60. Em 1974, a taxa de assassinatos já havia dobrado. Mesmo o ícone esquerdista Sargent Shriver, diretor da agência que dirigia a ‘guerra contra a pobreza’, admitiu que ‘as doenças venéreas saíram do controle apesar de termos acesso a mais clínicas, mais medicamentos e mais educação sexual do que em qualquer momento na história’”.

No Brasil, não é diferente. Só para citar um exemplo: a mensagem de que sexo antes do casamento não tem nada de mais, basta apenas usar preservativos, tem feito mais mal do que bem. Ela é fruto da visão liberal que prevalece na sociedade de nossos dias. Chega a ser ridículo ver a mídia pregar o sexo livre como normal e depois falar de responsabilidade, preservativos etc. Querem tentar amenizar o problema em vez de atacar a sua raiz. O que temos visto na prática é o aumento do número de adolescentes grávidas.
E a onda liberal continua, querendo legalizar o aborto e o uso de drogas, e anunciando a prostituição como uma profissão normal e digna. E ainda têm a ousadia de chamar tudo isso de “avanço”. É o fim.

Silas Daniel é ministro evangélico da Assembléia de Deus em Artur Rios, Rio de Janeiro (RJ)
Fonte: http://www.elnet.com.br/colunistas_interna.php?materia=1710


Mas vós, quem dizeis que eu sou?

Perspectivas sobre Jesus Cristo no decorrer da história

Por Alderi Souza de Matos

Os Evangelhos informam que desde o ministério terreno de Jesus houve dúvidas quanto à sua verdadeira identidade. No texto da confissão de Pedro, em resposta à pergunta de Jesus sobre quem o povo dizia ser ele, os discípulos responderam: João Batista, Elias, Jeremias ou “algum dos profetas” (Mt 16.14). Quando Jesus indagou a opinião dos seus próprios seguidores, Pedro deu a resposta correta (“Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”). Mas uma leitura mais ampla dos sinóticos mostra que os apóstolos ainda assim tinham muitas perplexidades acerca da verdadeira natureza do seu mestre. Fora do círculo mais estreito em torno de Jesus, as dúvidas podiam se tornar especialmente intensas. João Batista, o primo e precursor de Jesus, fez a dolorosa pergunta: “És tu aquele que estava para vir ou havemos de esperar outro?” (Mt 11.3). Ao longo dos Evangelhos, ressoa a exclamação das multidões e dos líderes religiosos judeus: “Quem é este...?” (Mt 8.27; Lc 5.21; 7.49; Jo 1.19; 8.25).

A principal razão dessas dúvidas era a própria complexidade da pessoa de Jesus, em muitos aspectos tão intensamente humano, porém ao mesmo tempo marcado por características, atributos e feitos singulares, extraordinários. Os seus títulos, demonstrações de autoridade e afirmações ousadas sobre si mesmo deixavam os seus interlocutores aturdidos, admirados ou simplesmente chocados e irados. Adicionalmente, havia um elemento de mistério em torno daquela pessoa, de segredo acerca da sua verdadeira identidade, tema esse que é destacado nos Evangelhos. O chamado “segredo messiânico” reforça a idéia de que Jesus ao mesmo tempo se oculta e se revela. Somente aqueles que crêem, que se identificam com ele, podem conhecer realmente quem ele é. Após a ressurreição, os discípulos se tornam mais seguros a respeito de Jesus (Jo 21.12), o que não impede que, com o passar do tempo, surjam novos questionamentos.

O humano e o divino

A resposta de Pedro, conhecida como a “Grande Confissão”, foi muito importante, mas não respondeu todas as dúvidas. O que realmente significava dizer que Jesus era o “Cristo” (Messias) e o “Filho de Deus”? Quais as implicações mais profundas dessas afirmações? Essas questões ocuparam a mente dos cristãos por vários séculos e as tentativas de solução giraram em torno de dois pólos: a humanidade e a divindade de Jesus. Num primeiro momento, a preocupação em resguardar o monoteísmo fez com que muitos cristãos tivessem reservas quanto à divindade de Cristo. Nunca se pôs em dúvida a importância, a dignidade e a singularidade de Jesus; afinal, desde o início os cristãos sabiam ter uma relação especial com ele, tinham sido batizados em seu nome e o confessavam como Senhor. Todavia, muitos sentiam que aceitar a sua divindade implicava dissolver a unidade de Deus, ou seja, admitir a existência de dois deuses, o Pai e o Filho.

Essa preocupação em preservar o monoteísmo em prejuízo do reconhecimento do caráter divino de Cristo ficou conhecida na história como “monarquianismo”. Este, por sua vez, dividiu-se em duas correntes principais: o monarquianismo dinâmico ou adocianismo dizia que Jesus foi um ser humano que Deus adotou como filho por ocasião do seu batismo, quando ele foi revestido do poder (“dynamis”) do Espírito Santo. Os ebionitas, isto é, os cristãos hebreus, que pouco antes da destruição de Jerusalém se transferiram para o outro lado do rio Jordão, foram adocianistas. Já o monarquianismo modalista entendia que Pai, Filho e Espírito Santo eram manifestações sucessivas, e não simultâneas, de Deus. Essa corrente não fazia distinções no Ser Divino, chegando alguns a ponto de dizer que o Pai sofreu e morreu na cruz, posição essa conhecida como patripassianismo.

Simultaneamente ao monarquianismo, e mesmo antes dele, surgiu uma espécie muito diferente de questionamento, motivada por pressupostos bastante distintos. Influenciados pela cultura e filosofia grega, os gnósticos afirmavam a maldade inerente da matéria e, por conseguinte, não podiam admitir o conceito de encarnação. Sua tendência era dar ênfase ao caráter divino do Verbo (Logos), em detrimento da sua humanidade. Aquele Jesus com o qual os discípulos se relacionaram tinha apenas uma aparência de humanidade, era como que um fantasma, um ser etéreo que viveu entre eles. Daí terem ficado conhecidos como docetistas (do verbo grego dokéo = “parecer”). Essa posição já é claramente combatida nas epístolas joaninas do Novo Testamento (1 Jo 4.2,3; 2 Jo 7), e um grande número de textos afirma de modo enfático um entendimento literal da encarnação (Jo 1.14; Rm 1.3; Cl 1.22; 1 Tm 3.16; Hb 5.7; 1 Pe 4.1).

A era dos credos

Com o passar do tempo, à medida que o debate se ampliava e aprofundava, surgiram posições mais sofisticadas acerca do assunto. A mais famosa e controvertida foi o arianismo, proposta no início do quarto século pelo presbítero Ário, de Alexandria, no Egito. Essa concepção interpretava de modo muito literal a linguagem bíblica sobre Pai e Filho e sobre o conceito de geração. Ário afirmava que o Pai gerou o Filho, que só então passou a existir, e por meio deste fez o restante da criação. Portanto, Cristo era um ser muito exaltado, mas não divino. Outras posições resultaram das ênfases de duas escolas de interpretação bíblica, a de Alexandria e a de Antioquia, a primeira insistindo na união das duas naturezas e a segunda, em sua separação. Segundo o bispo Apolinário, o Cristo encarnado consistia de um corpo humano dotado de uma razão divina, o Logos. Outro bispo mais famoso, Nestório, insistiu que Jesus Cristo consistia na “união moral” de duas pessoas como em um matrimônio. Finalmente, o monge Eutiques, indo na direção oposta, defendeu a virtual fusão das duas naturezas, resultando em uma só, a divina. Essa posição também ficou conhecida como monofisismo.

Diante de um cenário tão confuso, a igreja sentiu a necessidade de posicionar-se a respeito dessa questão crucial que envolvia o correto entendimento do centro de sua fé: a pessoa de Jesus Cristo. Quatro grandes concílios ecumênicos realizados na Ásia Menor nos séculos quarto e quinto trataram dessa questão (Nicéia, Constantinopla, Éfeso e Calcedônia). A Definição de Calcedônia, do ano 451, resolveu a controvérsia de maneira magistral ao declarar não só a perfeita divindade e a perfeita humanidade de Cristo, mas o fato de que as duas naturezas, ao mesmo tempo distintas e inseparáveis, formam uma só pessoa e subsistência (“união hipostática”). Entendeu-se que essa concepção era não só coerente com o testemunho das Escrituras, mas necessária em virtude de suas implicações soteriológicas. Desde então, esse entendimento tem sido adotado pela maior parte da cristandade.

Novas teorias, antigas idéias

Ao longo dos séculos, têm surgido as mais diversas interpretações acerca de Cristo, que geralmente não passam de reedições, com outros nomes, das antigas posições consideradas heterodoxas. De um modo geral, essas posições tendem a minimizar ou simplesmente negar a divindade de Cristo, dando grande ênfase à sua humanidade. Foi o que aconteceu, na época da Reforma, com o espanhol Miguel Serveto e os italianos Lélio e Fausto Socino, que ensinaram formas particulares de adocianismo. Mais tarde, as modernas Testemunhas de Jeová iriam abraçar uma posição muito semelhante à do antigo arianismo.

Os principais reformadores protestantes, Lutero e Calvino, diferiram parcialmente nas suas concepções acerca da natureza humana de Cristo. O primeiro insistiu que, por causa da encarnação, a humanidade de Cristo, inclusive o seu corpo glorificado, recebeu o atributo da ubiqüidade, estando em todos os lugares ao mesmo tempo. Já os calvinistas argumentaram que, mesmo agora, após a sua ressurreição e ascensão, o homem Jesus está corporalmente localizado no céu. Isso levou as duas tradições a terem compreensões bastante diferentes da presença de Cristo no sacramento da Ceia. No entanto, por um bom tempo, os protestantes, acompanhando os católicos romanos e os ortodoxos gregos, mantiveram unanimemente a antiga cristologia de Calcedônia.

A partir do iluminismo, com a sua crítica à visão sobrenaturalista da religião, voltaram a ser abraçadas as antigas concepções acerca de Cristo que insistiam na sua humanidade, negando a sua transcendência. O deísmo do século 18 e a teologia liberal protestante do século 19 conceberam Jesus em termos exclusivamente humanos, ainda que dotado de notáveis atributos morais e espirituais. Teólogos influentes, como os alemães Schleiermacher e Ritschl, propuseram formas elaboradas de adocianismo. Finalmente, no século 20, ganhou força a célebre “busca do Jesus histórico”, que procurou fazer uma distinção radical entre o Jesus concreto de carne e osso que viveu na Palestina e o Cristo da fé imaginado e idealizado pela igreja primitiva. Uma concepção especialmente revolucionária foi proposta por Rudolf Bultmann, um exegeta e teólogo alemão que pretendeu desmitologizar ou desmitificar o Jesus dos Evangelhos, desvestindo-o de sua roupagem miraculosa e interpretando a sua pessoa e missão em termos do pensamento existencialista.

Perspectivas de Cristo

Ao lado das perenes controvérsias em torno da humanidade e divindade do Redentor, diferentes épocas e diferentes movimentos da história da igreja têm tido as suas percepções particulares acerca de Cristo. Para os primeiros cristãos ele era o Senhor, por amor de quem eles enfrentaram a ira do Império Romano e o martírio. Nas primeiras manifestações da arte cristã, ele é a figura benevolente do Bom Pastor, também representado pelo peixe, a pomba ou o cordeiro. Na igreja imperial da era constantiniana, ele passa a ser visto como o Cristo exaltado e todo-poderoso, o pantokrátor (“governante de tudo”). Mais tarde, na segunda metade da Idade Média, dá-se ênfase ao Cristo sofredor, o “varão de dores” dos místicos e visionários.

Ao longo do tempo, os cristãos têm encontrado dificuldade em manter um equilíbrio saudável entre as dimensões sobrenatural e humana de Cristo. Na espiritualidade do tipo pietista, marcada pelo individualismo e pelo misticismo, predomina uma concepção docética de Cristo. A sua humanidade fica obscurecida, dando-se toda a ênfase ao Senhor poderoso e transcendente, operador de maravilhas e solucionador de problemas, que está prestes a voltar em glória para arrebatar a sua igreja. Por outro lado, existe o Cristo predominantemente humano do liberalismo, tanto católico quanto protestante. Um bom exemplo foi o “evangelho social” do início do século 20, inspirador de um ativismo cristão ilustrado pelo livro Em Seus Passos que Faria Jesus? Essa também foi uma ênfase da “teologia da libertação” latino-americana da segunda metade do século 20, que viu na figura de Jesus de Nazaré um modelo a ser seguido na luta contra a injustiça e a opressão.

Essas duas perspectivas padecem de limitações. A primeira, de tendência docética, pode levar, e com freqüência leva, a uma atitude de alienação e escapismo em relação aos problemas do mundo e da sociedade. É característica de boa parcela do evangelicalismo conservador e entusiástico. A outra perspectiva é igualmente reducionista, limitando a aplicação dos ricos conceitos bíblicos de libertação e reconciliação ao plano social e político. O reino de Deus passa a ser visto exclusivamente em termos terrenos, de transformação das estruturas mediante a ação humana, e Cristo torna-se um mero símbolo e um exemplo a ser seguido nesse esforço. O ideal é que os cristãos, em sua reflexão e em sua práxis, recuperem a visão bíblica holística de Jesus Cristo, como aquele cuja obra libertadora e reconciliadora abrange todas as dimensões da existência.

Alderi Souza de Matos é doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil.

Número da Besta: 666 ou 616?

Esta questão tem ocupado calorosamente leitores e comentadores do Apocalipse desde o séc. II da nossa era. Com efeito, S. Ireneu (140-202) refere que já em seu tempo os códices do Apocalipse exibiam duas variantes do dito número (666 e 616), sem que se soubesse qual o seu significado exato (Adv. haer. 5,30, 2).

Contudo será preciso reconhecer que o enigma devia ter sentido evidente para os leitores imediatos do Apocalipse, ou seja, para os cristãos da Ásia Menor aos quais no fim do séc. I São João se dirigia ; era justamente com o intuito de os orientar que o Apóstolo escrevia o texto de Apc 13, 18 ; não lhes queria propor um «quebra-cabeça», mas algo de que pudessem tirar proveito, porque sabia que tinham os meios para o decifrar; infelizmente, porém, desde cedo se apagou nos cristãos a reminiscência dos elementos necessários à elucidação (perdeu-se a chave do enigma).

Vejamos o que hoje, coligindo alguns dados seguros, se pode dizer de mais provável sobre o assunto.

1) O misterioso número deve designar algum homem, pois o hagiógrafo adverte que é «número de homem» (13,18). E como o designa?

Os gregos e hebreus atribuíam valor numérico a cada uma das letras do seu alfabeto (os romanos, ao contrário, só a algumas o atribuíam) ; baseados nisto, compraziam-se em contar o valor numérico de determinado nome e, em consequência, de determinada pessoa. Este proceder, que constituía a arte chamada «gematria»-, era muito usual entre os povos do Mediterrâneo (em Pompei, por exemplo, no Sul da Itália, foi encontrada a seguinte inscrição : «Amo aquela cujo número é 545» ; cf. Sogliano, Rendiconti delia Reale Accademia dei Lincei 1901,256-9).

2) São João, em Apc 13,18, usou de modo de falar obscuro, provavelmente porque entendia proferir um juízo sinistro sobre algum dos dignitários (ou monarcas) do Império Romano; não queria incorrer no crime de lesa-autoridade ou de lesa-majestade nem tornar os seus leitores suspeitos disto; o livro do Apocalipse podia cair em mãos de pagãos que, se compreendessem a alusão à autoridade, se vingariam dos cristãos (as primeiras perseguições já tinham sido desencadeadas por Nero em 64), Por isto se referia a Roma mencionando Babilônia (cf, c. 16), à semelhança do que fizera São Pedro em 1 Pdr 5,13. — Disto se segue que se deve procurar o personagem designado pelo número 666 entre os chefes do Império contemporâneos ou anteriores a São João. Sim ; se os leitores do Apocalipse não tivessem de antemão certo conhecimento do varão mencionado, jamais poderiam decifrar o enigma proposto.

3) Consequentemente vê-se que será no vocabulário grego ou no hebraico (com os quais estavam familiarizados os destinatários do Apc) que se deverá buscar a solução. Não entra em questão o latim, pois este no séc. I da nossa era não passava de dialeto confinado ao Lácio (península itálica), dialeto que ficava alheio às cogitações dos leitores imediatos da obra de São João.

4) Feitas estas aproximações, só restam três soluções mais ou menos plausíveis para o nosso enigma : os nomes
 - GAIOS KAISAR (Gaio César, designação de Calígula Imperador) ou
- KAISAR THEÓS (César é Deus). Estas são duas expressões gregas cujas letras somadas dão o total de 616. Ou então
- QESAR NERON (César Nero), termos gregos que, escritos em caracteres hebraicos, perfazem a soma de 666 : Q = 100; S = 60; R = 200; N = 50; R = 200; O - 6; N = 50 (as vogais e e a não se contavam em hebraico).

Destas três interpretações, a mais plausível é a última. Proposta pela primeira vez entre 1830 e 1840 por Fritzsche, Bénary, Hitzig, tem aliciado grande número de exegetas. Oferece, entre outras vantagens, a de explicar as variantes 666 e 616 dos antigos códices: alguns copistas influenciados pela forma latina Nero terão omitido o n final que figura no nome grego Neron, diminuindo assim de 50 unidades a soma total das letras. Note-se que, das duas variantes do número, a que parece originária e merece a clara preferência tanto de S. Ireneu (séc. II) como dos melhores códices, é 666. Teríamos, pois, em Apc 13,18, uma alusão ao famoso Imperador Nero.

Verdade é que este soberano já morrera quando São João escrevia o Apocalipse; o Apóstolo, porém, tomava-o como personificação do poder imperial hostil aos cristãos, pois Nero fora o iniciador das perseguições e ficava marcado, na reminiscência dos pósteros, como o tipo do perseguidor cruel e vicioso ou como a figura do Anticristo.

Poder-se-ia objetar que a solução QESAR NERON supõe uma ginástica mental assaz forçada: trata-se de dois nomes gregos que se pressupõem escritos em caracteres hebraicos, num livro destinado a leitores que pouco deviam conhecer o hebraico. A esta dificuldade replica-se que São João bem pode ter chamado a atenção dos seus leitores para este artifício; não chegou a escrever tal advertência para não se trair e não se expor a alguma represália da parte dos pagãos; mas por via oral terá instruído a respeito os cristãos que levaram o Apocalipse de Patmos para a Ásia Menor. Será preciso também tomar em conta que havia bom numero de judeus nas cidades da Ásia Menor às quais se dirigia o Apóstolo. — A hipótese se torna ainda mais provável caso se tenha em vista que, quando os gregos em seus papiros gregos, queriam aludir a pessoa ou coisa misteriosa, recorriam não raro a vocábulos hebraicos ou semíticos.

5) À luz do que foi dito, vê-se que qualquer sentença que procure na língua latina ou entre personagens posteriores ao séc. I a interpretação do número, está fora de propósito; São João teria frustrado seu desígnio de esclarecer e acautelar os leitores gregos e judeus da Ásia Menor aos quais ele escrevia.

Várias, porem, são as tentativas de solução que incorrem em tais incongruências. Eis alguns dos nomes para os quais apontam: o Imperador Juliano o Apóstata (+363), o invasor huno Átila (séc. V), Maomé (+632), o Papa Bonifácio VIII (+1303), Inácio de Loiola (+1556), Lutero (+1546), o rei Luís XIV de França (+1715), o imperador Napoleão (+1821), Adolfo Hitler, etc. —Já também quem diga que o Papa traz na tiara o título latino de VICARIUSS FILII DEI e que esta expressão perfaz a soma de 666 (V=5; I=1; C=100; I=1; U=5; I-1; L=50 ; II=2; D=500; I=1). O mesmo total 6 obtido por outro titulo que dizem ser característico do Sumo Pontífice: LATINUS REX SACERDOS. Na verdade, a tiara do pontífice não traz inscrição alguma. Quanto ao título que se costuma atribuir ao Papa, é o de VICARIUS CHRISTI.

Não será necessário perder tempo em demonstrar que todas estas explicações carecem de fundamento no texto sagrado ; são produtos arbitrários da fantasia. Tão longe têm ido os autores movidos por preconceitos que chegaram a ver no número 666 a soma das letras hebraicas do nome JESUS NAZARENO: YSW NCRV. O próprio Jesus Cristo seria então a besta do Apocalipse ou o Anticristo! Tal foi a sentença do rabino Davi Berman («Mercure de France», 1918, 190), o qual seguia Valentim Weigel, pseudomístico do séc. XVI e discípulo de Paracelso (cf. Corrodi, Geschichte des Chiliasmus III 32-s). — O caso do rabino Berman mostra bem que quem quer identificar a besta do Apocalipse com o Papa, não tem motivo para não a identificar com o próprio Cristo. Arbitrariedade por arbitrariedade, uma equivale à outra.

Por sua vez, o escritor norte-americano David Goldstein advertiu que o nome de ELLEN GOULD WHITE, a profetiza dos Adventistas do Sétimo Dia, tem o valor numérico de 666:

E L(50) L(5) EN GO V(5) L(50) D(500)W(=V(5) V(5)) H I(1) = 666

Vê-se assim quão vá é a polêmica moderna em terno do assunto.

Voltando agora a uma reflexão serena, pode-se observar que, segundo a mentalidade mística antiga, o número 666 indicava essencialmente precariedade ou derrota. Compõe-se, sim, do algarismo 6, que ó um 7 (símbolo da perfeição) truncado, ou um 12 (outro símbolo da perfeição) cortado pela metade. Por conseguinte, o indivíduo designado por três «seis» justapostos está, a duplo titulo, entregue à ruína; tal era a sorte que São João queria atribuir a Nero, ou seja, aos perseguidores dos cristãos e ao Anticristo.

Em oposição a 666 está o número 888, soma das letras gregas do nome JESOUS. Se seis era o algarismo típico da imperfeição, cito (que equivale a 7 + 1) designava a perfeição em toda a sua ênfase ; por conseguinte, três oito justapostos simbolizariam muito eloquentemente as riquezas do sabedoria e bondade do Redentor. É o que a Sibila (I 321-331), antigo apócrifo cristão, fazia notar com muito garbo no inicio da nossa era.

Autor: Dom Estêvão Bettencourt (OSB)
fonte: http://www.pr.gonet.biz/kb_read.php?num=2200

Persignação: O Sinal da Cruz e Seu Uso

O Sinal da Cruz e seu Uso

Desde bem cedo os cristãos antigos associaram a cruz, que é um símbolo universal, Àquele que foi nela morto. No período inicial a representação de Cristo e da Cruz são representações do Glorificado. Ela não é o lugar onde Cristo foi suplicado, mas glorificado . Isso se deve, no início, ao ambiente judeu-cristão onde, por respeito aos 10 Mandamentos, não se faziam pinturas humanas. Assim, representar a Cristo por meio da cruz, com sua vitória, era mais aceitável em tais ambientes. Somente na Idade Média é que a ideia de ressurreição e exaltação foi substituída pela ideia da morte e humilhação.

Porém, é mesmo a partir da definição da Doutrina da Trindade, que a cruz passa a ser muito mais valorizada como símbolo pelos cristãos. Talvez por influência de Constantino e o uso que fez das letras “chi” (que tem a forma de X – ou de uma cruz) e “rho” (que tem a forma de P), como seu brasão na luta por unir o Império Romano que, reza a lenda, foi lhe dada em sonho quando uma voz lhe disse: “In hoc signus vinces” . Mas o fato é que o gesto do Sinal da Cruz (a persignação) se faz acompanhada da afirmação “Pai, Filho e Espírito Santo”.

A Doutrina da Trindade não foi um consenso. Os que não aceitavam a deidade de Jesus e/ou do Espírito Santo, reagiram à doutrina. Dentro da Igreja estabeleceu-se uma luta para ser aceita a doutrina. Muitos gestos, músicas e outras coisas fáceis de aprender e guardar, foram criadas no Século V para auxiliar na pedagogia trinitariana. Por exemplo, temos o cântico do “Glória Patri” , colocado ao final da leitura do Salmo como forma de lhe dar um colorido cristão e de se reafirmar a doutrina da Santíssima Trindade.

O uso da cruz como símbolo e, de modo igual, o “sinal da cruz” (a persignação) passa a ser incorporada a toda Igreja, primeiramente à Igreja Oriental e, posteriormente à Igreja Ocidental. Entretanto, já era de conhecimento e uso dos judeus-cristãos palestinenses como marca e sinal. Logo passou a ter uso na liturgia, permanecendo até os dias de hoje. Seguindo a tradição palestinense o sinal era feito somente sobre a fronte: ocasionalmente por gesto e, permanentemente por incisão ou cauterização.

Pelos motivos óbvios o sinal permanente foi trocado pelo gesto ocasional. Além disso, na forma usual de hoje, foi aumentado, fazendo-se inicialmente na fronte, depois no peito, por fim nos ombros esquerdo e direito, respectivamente.

A persignação é um modo de assinalar-se ou de assinalar outras pessoas e objetos. Ele guarda como sinal, os mesmos significados utilizados nas Escrituras Sagradas para outros sinais: penhor, confirmação, proteção divina, distinguir-se como povo de Deus e, principalmente, sinal de santificação, eleição e salvação. A cruz é o Sinal de Cristo. Assinalar-se com o mesmo é marcar-se para Ele, é confessá-lo como Senhor, é declarar dependência exclusiva d’Ele. Este é, pois, um gesto simbólico. Como qualquer símbolo, em si ele não é nada, não é aquilo que representa, mas, sim, aponta para o seu significado. Por isso, com óleo, no Santo Batismo e na Confirmação, se assinala a fronte do batizando, dizendo: “Eu te assinalo com a Cruz, o sinal de Cristo”.

Este gesto significa que aquele, aquela ou aquilo que o recebe passa a pertencer a Cristo. Significa também estar assinalado, marcado, com o Seu sinal. Tal gesto simbólico é, assim, um gesto litúrgico. Não somente no Batismo e na Confirmação, mas em outras partes da liturgia ele é repetido. O Culto inicia com este sinal, pois é feito “Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Utiliza-se também o gesto, neste caso o Bispo ou o Presbítero sobre a congregação, quando da absolvição dos pecados, visto que o sacerdote representa a Cristo e absolve em Seu nome. Na sagração de objetos, muito especialmente os elementos eucarísticos, faz-se o sinal da cruz sobre os mesmos, como representação de sua santificação; por este gesto são retirados do uso comum para o uso santo. Por fim, ao encerrar a liturgia, o ministro envia o povo de retorno ao mundo, para ser testemunha de Cristo, abençoando-o com o sinal de Cristo.

O Sinal da Cruz e seu abuso

Como se viu, um sinal simbólico nada é em si. Somente serve enquanto meio e instrumento de ajuda para a sua relação com aquilo que ele significa. Se alguém faz um cumprimento de mãos para selar um acordo de cavalheiros, mas lá dentro sabe que não o cumprirá, tal gesto é nulo. Se alguém abraça ou beija, mas está traindo aquele a quem dedica este gesto de afeto, tal gesto é nulo e mesmo odioso, como o fez Judas com o Senhor.

O mesmo acontece com o Sinal da Cruz. Ele é um gesto simbólico e litúrgico. Ele quer significar submissão a Cristo e mostra que um alguém pertence a Nosso Senhor Jesus Cristo. O mesmo se pode de seu uso sobre os objetos litúrgicos: o santuário, os vasos sagrados, os elementos sacramentais. Quando recebem o sinal da cruz, significa que estão separados do uso comum para um uso santo. O gesto não torna as coisas santas, mas indica o seu uso sagrado.

Ora, todo símbolo revela algo oculto. Ele significa algo que não se pode ver. A circuncisão era um sinal externo, mas os profetas alertam que a verdadeira circuncisão é a do coração. O mero sinal externo nada significa se não existir o correspondente interior. Esta foi a tentação de Israel com a marca externa da circuncisão, amplamente denunciada e combatida pelos profetas (Jr 4.9; 9.24). De nada adiante estar com a marca externa se não existir a interna (cf., Dt 10.12-22).

A exortação de Jesus Cristo e de São João Batista aos escribas e fariseus está na mesma linha dos profetas: “Deus pode fazer suscitar destas pedras filhos a Abraão” (Mt 3.9; Lc 3.8; Jo 8.39). O fato de estar circuncidado em si, nada significa se não se tem o correspondente disso no coração. O uso deste sinal externo torna-se supersticioso, mágico e um mero amuleto, perdendo o seu sentido real.

Este tem sido o abuso do Sinal da Cruz. Ele vem perdendo o seu significado e se tem transformado em um amuleto. Faz-se do mesmo um uso supersticioso, como se o gesto, em si, correspondesse a algum tipo de proteção contra males, moléstias, físicas ou espirituais. Este abuso mágico desvaloriza totalmente o significado simbólico do gesto, fazendo com que muitos, para não se associarem a estes elementos supersticiosos, o tenham abandonado e mesmo rechaçado.

Deve-se ter em mente que seu uso, antigo e tão significativo para a Igreja, conforme significação bíblica própria, somente torna-se superstição e amuleto por falta de compreensão e de ensino correto. Trocando em miúdos: a culpa deste abuso se encontra na docência da comunidade. Sem ensino o povo cai. Sem correção o povo erra. Abandonar seu uso é mais fácil do que ensinar e educar para a fé.

Na persignação se faz o sinal da cruz. Isso significa que aquele que se persigna está a serviço da Cruz de Cristo. Torna-se o que no passado se dizia ser um “cruzado”. Um soldado em luta pelos valores cristãos. Um soldado sob o comando de Cristo. Um soldado disposto a combater o bom combate. Sob o signo da Cruz é que o cristão vive no mundo, dando o seu testemunho e realizando as obras de Cristo. Torna-se, pois, uma nova pedagogia da cruz de Cristo, para um melhor conhecimento do significado da persignação.

Isso deve iniciar pela liturgia, passando pela teologia e, finalmente, chegando à práxis cristã no mundo. Não existe práxis sem cruz, nem cruz sem práxis. A cruz é, na verdade, a consequência da práxis. Jesus foi crucificado por causa do que disse e fez. Por causa de Suas Palavras e de Sua prática, teve como coroamento a crucificação. A persignação deixará de ser superstição e mero amuleto, quando se resgatar a verdadeira práxis cristã. Quando o púlpito deixar de ser mera auto-ajuda e passar a ser uma qualificação para a ação cristã no mundo, o sinal da cruz há de se tornar significativo e repleto de conteúdo para aqueles que agem por meio da fé.

Deus permita à Sua Igreja conhecer e entender o sinal de sua marca: Em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo. Amém!

Autor:  Ven. Arc. Rev. Carlos Alberto Chaves Fernandes+, OFA Arcediagado Sul-Sudeste – 2ª Região Eclesiástica Igreja Anglicana – Diocese do Recife