quarta-feira, 12 de março de 2014

Persignação: O Sinal da Cruz e Seu Uso

O Sinal da Cruz e seu Uso

Desde bem cedo os cristãos antigos associaram a cruz, que é um símbolo universal, Àquele que foi nela morto. No período inicial a representação de Cristo e da Cruz são representações do Glorificado. Ela não é o lugar onde Cristo foi suplicado, mas glorificado . Isso se deve, no início, ao ambiente judeu-cristão onde, por respeito aos 10 Mandamentos, não se faziam pinturas humanas. Assim, representar a Cristo por meio da cruz, com sua vitória, era mais aceitável em tais ambientes. Somente na Idade Média é que a ideia de ressurreição e exaltação foi substituída pela ideia da morte e humilhação.

Porém, é mesmo a partir da definição da Doutrina da Trindade, que a cruz passa a ser muito mais valorizada como símbolo pelos cristãos. Talvez por influência de Constantino e o uso que fez das letras “chi” (que tem a forma de X – ou de uma cruz) e “rho” (que tem a forma de P), como seu brasão na luta por unir o Império Romano que, reza a lenda, foi lhe dada em sonho quando uma voz lhe disse: “In hoc signus vinces” . Mas o fato é que o gesto do Sinal da Cruz (a persignação) se faz acompanhada da afirmação “Pai, Filho e Espírito Santo”.

A Doutrina da Trindade não foi um consenso. Os que não aceitavam a deidade de Jesus e/ou do Espírito Santo, reagiram à doutrina. Dentro da Igreja estabeleceu-se uma luta para ser aceita a doutrina. Muitos gestos, músicas e outras coisas fáceis de aprender e guardar, foram criadas no Século V para auxiliar na pedagogia trinitariana. Por exemplo, temos o cântico do “Glória Patri” , colocado ao final da leitura do Salmo como forma de lhe dar um colorido cristão e de se reafirmar a doutrina da Santíssima Trindade.

O uso da cruz como símbolo e, de modo igual, o “sinal da cruz” (a persignação) passa a ser incorporada a toda Igreja, primeiramente à Igreja Oriental e, posteriormente à Igreja Ocidental. Entretanto, já era de conhecimento e uso dos judeus-cristãos palestinenses como marca e sinal. Logo passou a ter uso na liturgia, permanecendo até os dias de hoje. Seguindo a tradição palestinense o sinal era feito somente sobre a fronte: ocasionalmente por gesto e, permanentemente por incisão ou cauterização.

Pelos motivos óbvios o sinal permanente foi trocado pelo gesto ocasional. Além disso, na forma usual de hoje, foi aumentado, fazendo-se inicialmente na fronte, depois no peito, por fim nos ombros esquerdo e direito, respectivamente.

A persignação é um modo de assinalar-se ou de assinalar outras pessoas e objetos. Ele guarda como sinal, os mesmos significados utilizados nas Escrituras Sagradas para outros sinais: penhor, confirmação, proteção divina, distinguir-se como povo de Deus e, principalmente, sinal de santificação, eleição e salvação. A cruz é o Sinal de Cristo. Assinalar-se com o mesmo é marcar-se para Ele, é confessá-lo como Senhor, é declarar dependência exclusiva d’Ele. Este é, pois, um gesto simbólico. Como qualquer símbolo, em si ele não é nada, não é aquilo que representa, mas, sim, aponta para o seu significado. Por isso, com óleo, no Santo Batismo e na Confirmação, se assinala a fronte do batizando, dizendo: “Eu te assinalo com a Cruz, o sinal de Cristo”.

Este gesto significa que aquele, aquela ou aquilo que o recebe passa a pertencer a Cristo. Significa também estar assinalado, marcado, com o Seu sinal. Tal gesto simbólico é, assim, um gesto litúrgico. Não somente no Batismo e na Confirmação, mas em outras partes da liturgia ele é repetido. O Culto inicia com este sinal, pois é feito “Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Utiliza-se também o gesto, neste caso o Bispo ou o Presbítero sobre a congregação, quando da absolvição dos pecados, visto que o sacerdote representa a Cristo e absolve em Seu nome. Na sagração de objetos, muito especialmente os elementos eucarísticos, faz-se o sinal da cruz sobre os mesmos, como representação de sua santificação; por este gesto são retirados do uso comum para o uso santo. Por fim, ao encerrar a liturgia, o ministro envia o povo de retorno ao mundo, para ser testemunha de Cristo, abençoando-o com o sinal de Cristo.

O Sinal da Cruz e seu abuso

Como se viu, um sinal simbólico nada é em si. Somente serve enquanto meio e instrumento de ajuda para a sua relação com aquilo que ele significa. Se alguém faz um cumprimento de mãos para selar um acordo de cavalheiros, mas lá dentro sabe que não o cumprirá, tal gesto é nulo. Se alguém abraça ou beija, mas está traindo aquele a quem dedica este gesto de afeto, tal gesto é nulo e mesmo odioso, como o fez Judas com o Senhor.

O mesmo acontece com o Sinal da Cruz. Ele é um gesto simbólico e litúrgico. Ele quer significar submissão a Cristo e mostra que um alguém pertence a Nosso Senhor Jesus Cristo. O mesmo se pode de seu uso sobre os objetos litúrgicos: o santuário, os vasos sagrados, os elementos sacramentais. Quando recebem o sinal da cruz, significa que estão separados do uso comum para um uso santo. O gesto não torna as coisas santas, mas indica o seu uso sagrado.

Ora, todo símbolo revela algo oculto. Ele significa algo que não se pode ver. A circuncisão era um sinal externo, mas os profetas alertam que a verdadeira circuncisão é a do coração. O mero sinal externo nada significa se não existir o correspondente interior. Esta foi a tentação de Israel com a marca externa da circuncisão, amplamente denunciada e combatida pelos profetas (Jr 4.9; 9.24). De nada adiante estar com a marca externa se não existir a interna (cf., Dt 10.12-22).

A exortação de Jesus Cristo e de São João Batista aos escribas e fariseus está na mesma linha dos profetas: “Deus pode fazer suscitar destas pedras filhos a Abraão” (Mt 3.9; Lc 3.8; Jo 8.39). O fato de estar circuncidado em si, nada significa se não se tem o correspondente disso no coração. O uso deste sinal externo torna-se supersticioso, mágico e um mero amuleto, perdendo o seu sentido real.

Este tem sido o abuso do Sinal da Cruz. Ele vem perdendo o seu significado e se tem transformado em um amuleto. Faz-se do mesmo um uso supersticioso, como se o gesto, em si, correspondesse a algum tipo de proteção contra males, moléstias, físicas ou espirituais. Este abuso mágico desvaloriza totalmente o significado simbólico do gesto, fazendo com que muitos, para não se associarem a estes elementos supersticiosos, o tenham abandonado e mesmo rechaçado.

Deve-se ter em mente que seu uso, antigo e tão significativo para a Igreja, conforme significação bíblica própria, somente torna-se superstição e amuleto por falta de compreensão e de ensino correto. Trocando em miúdos: a culpa deste abuso se encontra na docência da comunidade. Sem ensino o povo cai. Sem correção o povo erra. Abandonar seu uso é mais fácil do que ensinar e educar para a fé.

Na persignação se faz o sinal da cruz. Isso significa que aquele que se persigna está a serviço da Cruz de Cristo. Torna-se o que no passado se dizia ser um “cruzado”. Um soldado em luta pelos valores cristãos. Um soldado sob o comando de Cristo. Um soldado disposto a combater o bom combate. Sob o signo da Cruz é que o cristão vive no mundo, dando o seu testemunho e realizando as obras de Cristo. Torna-se, pois, uma nova pedagogia da cruz de Cristo, para um melhor conhecimento do significado da persignação.

Isso deve iniciar pela liturgia, passando pela teologia e, finalmente, chegando à práxis cristã no mundo. Não existe práxis sem cruz, nem cruz sem práxis. A cruz é, na verdade, a consequência da práxis. Jesus foi crucificado por causa do que disse e fez. Por causa de Suas Palavras e de Sua prática, teve como coroamento a crucificação. A persignação deixará de ser superstição e mero amuleto, quando se resgatar a verdadeira práxis cristã. Quando o púlpito deixar de ser mera auto-ajuda e passar a ser uma qualificação para a ação cristã no mundo, o sinal da cruz há de se tornar significativo e repleto de conteúdo para aqueles que agem por meio da fé.

Deus permita à Sua Igreja conhecer e entender o sinal de sua marca: Em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo. Amém!

Autor:  Ven. Arc. Rev. Carlos Alberto Chaves Fernandes+, OFA Arcediagado Sul-Sudeste – 2ª Região Eclesiástica Igreja Anglicana – Diocese do Recife

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